O tema de redação do Enem 2015 não foi
surpresa; há algum tempo se espera que o exame trate da violência contra a
mulher. Talvez para justificar a inclusão de um tema tão esperado, a banca
optou por antepor ao termo “violência” o substantivo “persistência”. Com isso
acrescentou um dado novo, que modificou um pouco o foco. O candidato teria que discutir não
propriamente as ações violentas contra o sexo feminino, mas as razões da sua
continuidade a despeito de medidas que foram tomadas – sendo a mais
significativa delas a promulgação, em 2006, da Lei Maria da Penha.
Um dos pontos fracos da apresentação do tema
foi o excesso de dados estatísticos nos textos motivadores. Três deles
praticamente se limitaram a trazer números, deixando de lado juízos,
comentários, considerações críticas que comumente aparecem na prova e servem de
referências para os alunos. Os números, é claro, são indícios de evidências
factuais, mas não definem a situação; não trazem um posicionamento que sirva de
parâmetro para o desenvolvimento do tema.
Além do mais, nem todas as estatísticas
eram claras. Os dados que aparecem no primeiro texto motivador, por exemplo,
são ambíguos. Lá se afirma que, “nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram
assassinadas no país acima de 92.000 mulheres, 43,7 mil só na última década”.
Em seguida, diz-se que “o número de mortes nesse período passou de 1.353 para
4.465 (...)”. Quantas mulheres, enfim, morreram – acima de 92.000 ou
4.465? Mesmo que o período mencionado se
refira apenas à última década, já foi dito que nela morreram 43,7 mil, ou seja,
bem mais do que 4.465.
Por outro lado, a presença das
estatísticas permitia que o aluno selecionasse de um vasto repertório as que poderiam
subsidiar a sua argumentação. Não havia como se opor ao que o tema afirmava,
pois os indicadores eram suficientes para comprovar a persistência da violência
masculina. Cabia então ao candidato discutir os motivos dessa continuidade, e
para isso ele dispunha de um bom material no quarto texto motivador, que trazia
dados sobre a lei Maria da Penha. O fato de apenas 34% de 332.216 processos
terem sido julgados seria uma boa razão. Outra poderia ser a educação para o
machismo ou a discriminação no mercado de trabalho, que diminui a
representatividade social da mulher.
Li críticas ao tema, com a alegação de
que ele era excessivamente “feminista”. Muitos o associaram a uma famosa
passagem de Simone de Beauvoir, segundo a qual “ninguém nasce mulher; torna-se
mulher”, para apontar um possível radicalismo na defesa da emancipação
feminina. Essa crítica me parece tão tola quanto dizer que a dimensão biológica
(do homem ou da mulher) não tem nenhum papel na determinação do comportamento
das pessoas.
O que a autora de “O segundo sexo”
pretende na referida passagem (objeto de uma questão do exame) é denunciar uma
sociedade que tende a conferir à mulher um papel inferior. Essa inferioridade
tem sido a matriz de uma violência que os dados presentes nos textos motivadores
fartamente demonstravam.
O tema
foi considerado “fácil” pela maioria dos candidatos. Essa facilidade, contudo,
pode representar uma armadilha. Temas previsíveis geralmente produzem
lugares-comuns argumentativos. Os candidatos, em sua maioria, têm mais ou menos
o que dizer sobre eles – mas dizem as mesmas coisas! Diante disso, vão se sair
melhor os que forem capazes de aprofundar a abordagem ou assumir um
posicionamento original. Sem esquecer, claro, de estruturar com correção e
clareza o texto.