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domingo, 8 de novembro de 2015

A redação do Enem 2015

O tema de redação do Enem 2015 não foi surpresa; há algum tempo se espera que o exame trate da violência contra a mulher. Talvez para justificar a inclusão de um tema tão esperado, a banca optou por antepor ao termo “violência” o substantivo “persistência”. Com isso acrescentou um dado novo, que modificou um pouco o foco.  O candidato teria que discutir não propriamente as ações violentas contra o sexo feminino, mas as razões da sua continuidade a despeito de medidas que foram tomadas – sendo a mais significativa delas a promulgação, em 2006, da Lei Maria da Penha.  
Um dos pontos fracos da apresentação do tema foi o excesso de dados estatísticos nos textos motivadores. Três deles praticamente se limitaram a trazer números, deixando de lado juízos, comentários, considerações críticas que comumente aparecem na prova e servem de referências para os alunos. Os números, é claro, são indícios de evidências factuais, mas não definem a situação; não trazem um posicionamento que sirva de parâmetro para o desenvolvimento do tema.
Além do mais, nem todas as estatísticas eram claras. Os dados que aparecem no primeiro texto motivador, por exemplo, são ambíguos. Lá se afirma que, “nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92.000 mulheres, 43,7 mil só na última década”. Em seguida, diz-se que “o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465 (...)”. Quantas mulheres, enfim, morreram – acima de 92.000 ou 4.465?  Mesmo que o período mencionado se refira apenas à última década, já foi dito que nela morreram 43,7 mil, ou seja, bem mais do que 4.465.
Por outro lado, a presença das estatísticas permitia que o aluno selecionasse de um vasto repertório as que poderiam subsidiar a sua argumentação. Não havia como se opor ao que o tema afirmava, pois os indicadores eram suficientes para comprovar a persistência da violência masculina. Cabia então ao candidato discutir os motivos dessa continuidade, e para isso ele dispunha de um bom material no quarto texto motivador, que trazia dados sobre a lei Maria da Penha. O fato de apenas 34% de 332.216 processos terem sido julgados seria uma boa razão. Outra poderia ser a educação para o machismo ou a discriminação no mercado de trabalho, que diminui a representatividade social da mulher.
Li críticas ao tema, com a alegação de que ele era excessivamente “feminista”. Muitos o associaram a uma famosa passagem de Simone de Beauvoir, segundo a qual “ninguém nasce mulher; torna-se mulher”, para apontar um possível radicalismo na defesa da emancipação feminina. Essa crítica me parece tão tola quanto dizer que a dimensão biológica (do homem ou da mulher) não tem nenhum papel na determinação do comportamento das pessoas.
O que a autora de “O segundo sexo” pretende na referida passagem (objeto de uma questão do exame) é denunciar uma sociedade que tende a conferir à mulher um papel inferior. Essa inferioridade tem sido a matriz de uma violência que os dados presentes nos textos motivadores fartamente demonstravam.
     O tema foi considerado “fácil” pela maioria dos candidatos. Essa facilidade, contudo, pode representar uma armadilha. Temas previsíveis geralmente produzem lugares-comuns argumentativos. Os candidatos, em sua maioria, têm mais ou menos o que dizer sobre eles – mas dizem as mesmas coisas! Diante disso, vão se sair melhor os que forem capazes de aprofundar a abordagem ou assumir um posicionamento original. Sem esquecer, claro, de estruturar com correção e clareza o texto.

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