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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Adjetivo ou advérbio?

           “O Estado deve tratar todos cidadãos iguais.” (Da redação de um aluno).
           Derrapagens gramaticais são comuns nas redações. Na passagem acima, por exemplo, ocorrem duas.

          A primeira está representada pelo uso do pronome “todos” não seguido de artigo. Sem o artigo, “todos” equivale a “quaisquer” e não a “por inteiro”. Compare: “Todo homem é mortal” (qualquer homem);  Todo o homem é mortal” (o homem inteiro, ou seja, dos cabelos à sola dos pés). 
         O segundo tropeço é a flexão de “igual”, que no contexto da frase não é adjetivo, mas sim advérbio. Modifica verbo, e não substantivo. Um exemplo famoso desse emprego encontra-se no slogan da Skol -- “A cerveja que desce redondo”. “Redondo” não qualifica o produto; refere-se ao modo como ele desce. Da mesma forma, “tratar igual” é “tratar igualmente”.  Eis a frase corrigida:
           “O Estado deve tratar todos os cidadãos igual.”

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Mau emprego de "drástico" e quebra do paralelismo

         “As conseqüências do cigarro são drásticas e não prejudicam apenas os fumantes, mas quem convive com eles também.” (Da redação de um aluno)

         Na passagem acima ocorre um problema semântico e outro estrutural.
       O primeiro está representado pelo uso do adjetivo “drásticas”, que significa “enérgicas”, “radicais”. “Medidas drásticas”, por exemplo, são medidas que vão mesmo atuar para resolver um problema. É inadequado usar esse adjetivo com o sentido de “graves” ou “trágicas”. 
        O problema estrutural é a quebra do paralelismo instaurado pelo par correlativo “não apenas... mas também”.  Deve ficar claro que a correlação ocorre entre os objetos diretos “os fumantes” e “quem convive com eles”. Eis a frase corrigida:
       “As consequências do cigarro são graves e prejudicam não apenas os fumantes, mas também quem convive com eles.”

Evite o ondismo

“Esses indivíduos possuem o humor instável, onde as pessoas ao seu redor manipulam-nos facilmente.” (Da redação de um aluno)

O uso inadequado do advérbio relativo “onde”, também conhecido por ondismo, aparece com frequência em redações de vestibulandos.  É o caso da frase acima, em que esse conectivo não se refere a nenhum termo anterior.  
A segunda oração constitui uma consequência (ou conclusão) do que está dito na primeira. Cabia ao aluno expressar isso por meio do elemento coesivo adequado. Por exemplo:
“Esses indivíduos possuem o humor instável, por isso as pessoas ao seu redor manipulam-nos facilmente.”

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Uso inapropriado de "obsoleto"

       “Estamos sempre obsoletos em relação às novas - e quase instantâneas - invenções.” (Da redação de um aluno)

         Na passagem acima ocorre uma impropriedade semântica. O adjetivo “obsoleto” não se aplica a pessoas, mas a bens, máquinas, produtos que se tornaram arcaicos ou fora de moda.
        O aluno não se refere propriamente a uma obsolescência, mas a uma defasagem entre o homem e o ritmo rápido das novas invenções. Eis a frase corrigida:
        “Estamos sempre defasados em relação às novas - e quase instantâneas - invenções.”

Falhas de regência e concordância

        Nas passagens abaixo, retiradas de redações dos alunos, há desvios da linguagem padrão. Leia-as e acompanhe, depois, as correções:

(1) “Mas é claro que se deve preservar e cuidar da natureza.” 
(2) “Lya Luft afirma que a classe média sofre um lamentável preconceito e que são chamados de ‘elite’”.
(3) Na sociedade em que vivemos, nem todos têm as mesmas oportunidades e não seria correto se quem as têm as desperdiçasse.


         O problema de (1) é que o aluno atribuiu o mesmo objeto a verbos de regências diferentes. “Preservar” é transitivo direto; “cuidar”, transitivo indireto, ou seja, exige complemento antecedido de preposição. Eis uma maneira de corrigir a frase:  “Mas é claro que se deve preservar a natureza e cuidar dela.”  

        Em (2), há falha de concordância devido à silepse inadequada. A concordância ideológica não se justifica no contexto da frase, pois não lhe confere nenhum valor expressivo. O melhor é explicitar o termo subentendido: “Lya Luft afirma que a classe média sofre um lamentável preconceito e que seus membros são chamados de ‘elite’”. Ou concordar o verbo com “classe média”: “...e que é chamada de elite.”

        Em (3) há problema de acentuação. O chamado acento diferencial morfológico aparece apenas na terceira pessoa do plural dos verbos ter e vir (têm, vêm). Como o pronome “quem” leva o verbo para o singular, o  correto é “quem as tem”.

Mau uso de "politicamente correto"

        “Enquanto uns vivem em condições de vida precárias, outros vivem em uma civilização politicamente correta, com educação e saúde.” (Da  redação de um aluno)
         Mistura de ideias, conceitos, definições compromete a coerência do texto. Na passagem acima o estudante pretendeu estabelecer um contraste entre a realidade social dos países subdesenvolvidos e a dos desenvolvidos. Não conseguiu fazer isso por empregar, na segunda parte, o termo “politicamente correto”.
           Esse rótulo não designa características sociais, mas de comportamento Refere-se aos que se opõem ao preconceito contra indivíduos ou grupos, pregam a tolerância para com as minorias e lutam para garantir aos deficientes os bens e direitos assegurados às pessoas “normais”.

           Expressões como “evoluída materialmente”, ou “economicamente superior” substituiriam com propriedade o termo usado pelo aluno.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Confusão num período sobre o bullying

“O bullying pode criar dificuldades de comunicação e integração na sociedade, além de ter pesadelo, falta de apetite e insônias.” (Da redação de um aluno)

            Há nessa passagem uma típica falha de coesão. O texto perdeu a unidade por o aluno atribuir o mesmo sujeito às duas orações.
           Vê-se que isso não tem sentido, pois o sujeito da primeira é “o bullying”, responsável por dificultar a inserção social; e o da segunda é a vítima desse tipo de violência, que apresenta perturbações físicas e psicológicas.
            Há duas possibilidades de correção: manter “o bullying” como sujeito e trocar o verbo da segunda oração; ou atribuir a esta um novo sujeito. Por exemplo:
          - “O bullying pode criar dificuldades de comunicação e integração na sociedade, além de provocar pesadelos, falta de apetite e insônia.”          
          - “O bullying pode criar dificuldades de comunicação e integração na sociedade; suas vítimas têm pesadelos, falta de apetite e insônia."

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Fragmentação do período e outros problemas

          “Desde que ocorreu, no século XVIII, o movimento Iluminista, que defendia o uso da razão e se opunha a idéia da Igreja, de que o homem nascia predestinado; a partir daí foram intensificadas as divergências, entre aqueles que defendem os valores racionais contra os que creem no sobrenatural, perdurando até os dias atuais.” (parágrafo introdutório de redação)
         Nesse parágrafo o aluno não apresenta nenhum predicado para o sujeito “o movimento iluminista”; com isso, fragmenta o período. Além do mais, intercala muitos termos no início, o quebra o ritmo e dificulta a leitura. Comete também falhas de pontuação. Vamos melhorar a estrutura:
          “O movimento iluminista surgiu no séc. XVIII. Ele defendia o uso da razão e se opunha à Igreja, segundo a qual o homem nascia predestinado. A partir daí intensificaram-se as divergências entre que os defendiam os valores racionais e os que acreditavam no sobrenatural. Esse conflito perdura até os diais de hoje.

Grafia inadequada

Alguns casos de grafia inadequada decorrem de falsas ligações que os alunos estabelecem entre as palavras. Eles procuram aproximar a escrita do que supõem ser o significado. Eis alguns exemplos:

discursão (em vez de “discussão”) - Geralmente a discussão constitui um discurso longo, interminável... Ou seja: um discursão!
povo hospedeiro (em vez de “hospitaleiro”) - “Hospedar” é “receber como hóspede”, “dar abrigo”. Essa atitude é comum a um povo “hospitaleiro” (que acolhe, oferece hospedagem por caridade); daí a troca.
pertuba (em vez de “perturba”) - Algo a ver com os incômodos provocados pelo som de uma tuba, que são de enervar? 
diante mão (em vez de “de antemão”) - O sentido de “de antemão” é “previamente”, “antecipadamente”. Assim, tal como o advérbio “diante”, expressa anterioridade -- o que talvez explique a confusão. 
caçar (os maus políticos) (em vez de “cassar”) - Um dos sentidos de caçar é “perseguir”, “procurar para prender”. Para o aluno isso faz mais sentido do que, simplesmente, “revogar os direitos políticos”.

Falha de coesão por mau emprego do gerúndio

      “O processo de industrialização iniciou-se em meados do século 18.  A Inglaterra foi a pioneira, chegando no Brasil na década de 50.” (Da redação de um aluno)

      Na passagem acima ocorre falha de coesão no segundo período. O mau emprego do gerúndio (chegando) dá a entender, absurdamente, que a Inglaterra chegou no Brasil (ou ao Brasil) na década de 50.

      A melhor forma de estruturar essa passagem é referir-se a um único tópico, ou seja, tomar como sujeito das orações “o processo de industrialização”. É aconselhável também usar a preposição “a” para introduzir o complemento do verbo; ela é mais adequada ao grau de formalidade exigido numa dissertação.

      Eis a frase corrigida: “O processo de industrialização iniciou-se na Inglaterra, no século 18, e chegou ao Brasil na década de 50."