A ideia de “enfrentar o invisível”, com que o
aluno de imediato se depara, é de dificultosa apreensão pelo que tem de
abstrato. Piora a situação a sequência fonética desagradável e cansativa
decorrente repetição de “alho, ado, ado”, o que entrava a leitura e obstacula a
apreensão da mensagem.
O complemento do termo “enfrentamento”, por
sua vez, desdobra-se num conjunto em que aparece três vezes a preposição “de”
(da, do, de), o que alonga desnecessariamente o sintagma e é condenado por
qualquer manual de estilo.
A banca poderia ter redigido com mais clareza
e eufonia. Por que não, por exemplo: “A invisibilidade do trabalho de cuidado
realizado pela mulher no Brasil: desafios para o seu enfrentamento”?
Ainda não é o ideal, mas já melhorava um pouco.
A
despeito disso, não se pode negar que o tema é atual e pertinente. Num mundo em
que tende a aumentar o número de idosos, deve-se dar visibilidade ao trabalho
de cuidar que esse contingente da população exige. O cuidador (ou a cuidadora)
se insere nas famílias para oferecer um tipo de assistência que seus
membros, por falta de preparo técnico, são incapazes de dar. É justo então que deixe
de ser “invisível” e tenha o devido reconhecimento.
Há
no entanto um outro problema na apresentação do tema, que é a indefinição
quanto à ideia de cuidado em razão da abrangência dos textos motivadores. De acordo
com o primeiro texto da Coletânea, por exemplo, o cuidado não tem como alvo
apenas o segmento dos idosos. Estende-se aos que necessitam de apoio devido à
imaturidade (como as crianças) ou a algum tipo de deficiência nas áreas física
ou mental.
Um
dado que se pode discutir, mas pelo qual a rigor a banca não é responsável,
está na inclusão do trabalho doméstico entre as atividades do cuidador. A mãe
ou a dona de casa não é propriamente uma cuidadora – no sentido em que se
aplica essa palavra a quem presta assistência a idosos, crianças ou pessoas
deficientes.
A
discussão sobre o trabalho da dona de casa ficaria mais adequada numa redação
sobre o papel da mulher na sociedade. A limitação às tarefas domésticas tem
sido confrontada com a sua atuação no mercado de trabalho – uma das bandeiras
do feminismo.
Penso
que o sentido lato que se deu na prova ao termo “cuidado” pode ter confundido alguns
alunos. De um lado (para os que conseguiram deslindar a formulação), a ênfase
no trabalho realizado pela mulher; de outro, a extensão nos textos motivadores
(que concorrem para a depreensão temática) da tarefa de cuidar a indivíduos
que também podem se beneficiar do trabalho de homens – pois existem “os
cuidadores”. A ilustração do quarto texto motivador, por exemplo, não faz
nenhuma menção à figura feminina.
Possivelmente
a maioria interpretará o cuidado no sentido em que essa palavra tem sido mais
empregada, destacando o papel do profissional (homem ou sobretudo mulher) que
ajuda as famílias a tratar dos que, por doença ou idade, não conseguem sozinhos
desempenhar as tarefas minimamente necessárias para sobreviver.
A
banca deverá estar aberta à opção do aluno. O importante é que ele consiga mostrar
as implicações humanas, sociais e profissionais do trabalho do cuidador (ou
cuidadora), discutindo as razões da invisibilidade e apresentando propostas para
diminuí-la.
2 comentários:
Como ex- professora de Ditatica achei pertinentes suas colações. Com uma pergunta tão generalizada, qual era de fato o objetivo dessa questão?
Chico, está sendo ótimo ler seu blog. Gostando muito e apreendendo também.
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