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domingo, 22 de novembro de 2015

Evite a quebra sintática (anacoluto)

“O Brasil, sendo o segundo país com impostos mais altos do mundo, em vez de investir em saúde, educação e segurança, fortunas foram gastas em investimentos para a Copa do Mundo e a recepção para os estrangeiros.” (Redação de aluno)

Na passagem acima ocorre uma falha de coesão. O uso da locução “em vez de” faz esperar que “o Brasil” continue como sujeito do verbo “gastar”. O aluno não respeitou isso e introduziu, inadequadamente, uma voz passiva em que “fortunas” aparece como o novo sujeito. O resultado é uma quebra que dá à frase o aspecto de um anacoluto (figura em que um termo – no caso, “o Brasil” – fica excluído da cadeia sintática).

         Eis a frase corrigida: “O Brasil, sendo o segundo país com impostos mais altos do mundo, em vez de investir em saúde, educação e segurança, gasta fortunas em investimentos para a Copa do Mundo e a recepção aos estrangeiros.”

domingo, 15 de novembro de 2015

Falha de coesão e impropriedade semântica

“No livro ‘A culpa é das estrelas’, no qual se retrata a vida de dois jovens, Hazel e Gus, acarretados pelo câncer e ainda assim vivem um intenso amor.” (Redação de aluno)

 Na passagem acima ocorre falha de coesão e impropriedade semântica. A falha coesiva é provocada pele emprego do conectivo “no qual”, que repete indevidamente a ideia de lugar e com isso deixa o enunciado sem oração principal. A falha semântica consiste no uso de “acarretados”, que nada tem a ver com o contexto.
 
         Eis a frase corrigida: “No livro ‘A culpa é das estrelas’, retrata-se a vida de dois jovens, Hazel e Gus, que foram acometidos pelo câncer e ainda assim vivem um intenso amor.”

domingo, 8 de novembro de 2015

Tautologia (de novo)

“Numa sociedade justa não existem privilégios exclusivos para determinada classe, pois todas possuem direitos iguais.” (Redação de aluno)

Na passagem acima ocorre redundância. Mais precisamente, uma tautologia, que é o excesso de palavras para indicar uma mesma ideia. 
O termo “privilégios” significa “direito, vantagem, prerrogativa, válidos apenas para um indivíduo ou um grupo” (Houaiss). Isso já supõe a ideia de exclusividade e dispensa, portanto, o adjetivo usado pelo aluno.


Eis a frase corrigida: “Numa sociedade justa não existem privilégios para determinada classe, pois todas possuem direitos iguais.”

A redação do Enem 2015

O tema de redação do Enem 2015 não foi surpresa; há algum tempo se espera que o exame trate da violência contra a mulher. Talvez para justificar a inclusão de um tema tão esperado, a banca optou por antepor ao termo “violência” o substantivo “persistência”. Com isso acrescentou um dado novo, que modificou um pouco o foco.  O candidato teria que discutir não propriamente as ações violentas contra o sexo feminino, mas as razões da sua continuidade a despeito de medidas que foram tomadas – sendo a mais significativa delas a promulgação, em 2006, da Lei Maria da Penha.  
Um dos pontos fracos da apresentação do tema foi o excesso de dados estatísticos nos textos motivadores. Três deles praticamente se limitaram a trazer números, deixando de lado juízos, comentários, considerações críticas que comumente aparecem na prova e servem de referências para os alunos. Os números, é claro, são indícios de evidências factuais, mas não definem a situação; não trazem um posicionamento que sirva de parâmetro para o desenvolvimento do tema.
Além do mais, nem todas as estatísticas eram claras. Os dados que aparecem no primeiro texto motivador, por exemplo, são ambíguos. Lá se afirma que, “nos 30 anos decorridos entre 1980 e 2010 foram assassinadas no país acima de 92.000 mulheres, 43,7 mil só na última década”. Em seguida, diz-se que “o número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465 (...)”. Quantas mulheres, enfim, morreram – acima de 92.000 ou 4.465?  Mesmo que o período mencionado se refira apenas à última década, já foi dito que nela morreram 43,7 mil, ou seja, bem mais do que 4.465.
Por outro lado, a presença das estatísticas permitia que o aluno selecionasse de um vasto repertório as que poderiam subsidiar a sua argumentação. Não havia como se opor ao que o tema afirmava, pois os indicadores eram suficientes para comprovar a persistência da violência masculina. Cabia então ao candidato discutir os motivos dessa continuidade, e para isso ele dispunha de um bom material no quarto texto motivador, que trazia dados sobre a lei Maria da Penha. O fato de apenas 34% de 332.216 processos terem sido julgados seria uma boa razão. Outra poderia ser a educação para o machismo ou a discriminação no mercado de trabalho, que diminui a representatividade social da mulher.
Li críticas ao tema, com a alegação de que ele era excessivamente “feminista”. Muitos o associaram a uma famosa passagem de Simone de Beauvoir, segundo a qual “ninguém nasce mulher; torna-se mulher”, para apontar um possível radicalismo na defesa da emancipação feminina. Essa crítica me parece tão tola quanto dizer que a dimensão biológica (do homem ou da mulher) não tem nenhum papel na determinação do comportamento das pessoas.
O que a autora de “O segundo sexo” pretende na referida passagem (objeto de uma questão do exame) é denunciar uma sociedade que tende a conferir à mulher um papel inferior. Essa inferioridade tem sido a matriz de uma violência que os dados presentes nos textos motivadores fartamente demonstravam.
     O tema foi considerado “fácil” pela maioria dos candidatos. Essa facilidade, contudo, pode representar uma armadilha. Temas previsíveis geralmente produzem lugares-comuns argumentativos. Os candidatos, em sua maioria, têm mais ou menos o que dizer sobre eles – mas dizem as mesmas coisas! Diante disso, vão se sair melhor os que forem capazes de aprofundar a abordagem ou assumir um posicionamento original. Sem esquecer, claro, de estruturar com correção e clareza o texto.

domingo, 1 de novembro de 2015

Lacuna de sentido e problemas semânticos

“A Lei Maria da Penha garante punições aos agressores de mulheres no âmbito doméstico. Foi alegado que Eliza Samudio não precisava de proteção do Estado pois não participava da atmosfera familiar de Bruno Sousa. Porém, a relação ‘não oficial’ acabou resultando na tragédia que chocou o Brasil.” (Redação de aluno)

A passagem acima apresenta uma lacuna de sentido entre o primeiro e o segundo períodos; para referir a alegação de que Elisa Samudio não precisa da proteção do Estado, é preciso antes informar que ela solicitou essa proteção. Apresenta também impropriedades semânticas (garante, âmbito doméstico, atmosfera familiar) e um problema coesivo (uso de “porém” no lugar de um conectivo que indique conclusão).

        Eis a passagem corrigida: “A Lei Maria da Penha prevê punição aos agressores de mulheres que sofrem violência doméstica. Eliza Samudio, dias antes de ser assassinada, apelou à Justiça com base nessa lei. Alegou-se que ela não fazia jus à proteção do Estado, pois não tinha um vínculo estável com Bruno de Sousa. Diante disso, a relação ‘não oficial’ acabou resultando na tragédia que chocou o Brasil.”